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24 abril 2020

Entendendo a Síndrome de Ansiedade de Separação (SAS)


Dizemos que um cão sofre de SAS, quando ao ser deixado por seu tutor em algum ambiente e impedido de acessá-lo, apresenta mais comumente sinais como:
- vocalização
- destruição
- eliminação inadequada (cocô e xixi no lugar errado)

E ainda, em menor número podem apresentar:
- inatividade
- inapetência
- salivação excessiva
- hiperatividade
- comportamentos repetitivos
- distúrbios gastrointestinais

E por que isso acontece?
Para entender melhor o que é a SAS, podemos pensar que todo animal sociável estabelece vínculos em suas relações, um deles é o apego. O apego está relacionado a necessidade do indivíduo de se manter próximo à alguém que vá garantir sua sobrevivência, no caso de bebês por exemplo, estar próximo da mãe é garantia de alimentação e manutenção da segurança.
            O assunto é tratado sobre alguns conceitos como o “imprinting” (assim que nasce o animal segue a primeira coisa que vê se movimentar, acreditando ser aquele que garantirá sua sobrevivência, é como se houvesse uma lacuna no cérebro aguardando por essa informação), a “teoria do apego” e o “conceito da base segura” que é aquela em que o indivíduo percebe que seu cuidador está atento às suas necessidades e pronto para supri-las, sem no entanto, impedir que ele desenvolva sua autonomia e sinta-se livre para explorar o ambiente que o cerca.
Mas estamos tentando entender a SAS nos cães e não nos humanos!

O relacionamento do cão com os seres humanos é análogo ao relacionamento pais-filhos e chimpanzé-humano, porque os fenômenos comportamentais observados e sua classificação são semelhantes às descritas nas interações mãe-bebê (Topál, 1998, p. 219-229)

            Estudos apontam ainda que os seres humanos formam um relacionamento de apego com seus cães, e que recorrem a eles como um refúgio seguro, muitas vezes mais do que a qualquer outro membro da família ou amigo.

Observando esses apontamentos, podemos entender o tipo de relação que temos com nossos cães e como isso interfere em nossas vidas.

Até pouco tempo, era comum relacionarmos a SAS com o hiperapego, hoje na literatura, já há indícios de que os distúrbios estão mais relacionados com o tipo de apego (base segura, insegura, etc) do que com sua intensidade.

Percebam que quando nos referimos a problemas relacionados à ansiedade de separação, utilizamos os substantivos “síndrome” ou “distúrbio”, porque no geral pela sua natureza sociável os cães  sentem a ausência do tutor e experimentam diferentes níveis de estresse, mas muitas vezes isso não afeta a qualidade de vida deles, tampouco sua relação com a família, porém alguns indivíduos tem um limiar mais baixo e por isso desenvolvem distúrbios relacionados a essa questão,  que vão interferir nas suas relações e por vezes podem levar ao abandono.

O que se sugere, é que além das questões genéticas, de ontogenia (desenvolvimento) e fatores ambientais, o cão que tem uma relação de apego seguro com seu tutor, tem menos chances de apresentar problemas relacionados à ansiedade de separação.

Esse assunto é amplamente estudado pela literatura científica, mesmo assim ainda há muitas perguntas sendo feitas e precisando de novas abordagens, por enquanto o que sabemos sobre como lidar com cães que apresentam distúrbios associados a separação é:

- Crie uma relação de confiança e segurança, seja coerente, consistente. Nunca engane o cão para não trair sua confiança, por exemplo, não sair escondido e dar bronca quando voltar e encontrar xixi na sua cama.

- Desenvolva atividades independentes enriquecimento ambiental diversificado ao cão.

- Ensine o exercício do “fica” sem impedir o cão de acessá-lo, ou seja, deixe o cão optar por ficar porque ele será recompensado, e não impedi-lo de sair da situação caso não se sinta confortável, isso tem que decorrer de forma natural, porque o cão gosta.

- Não se despedir dolorosamente quando for sair, tampouco fazer de sua chegada um grande acontecimento e cuidado com os protocolos tradicionais, alguns cães quando ignorados ficam mais ansiosos.  Vocês devem buscar algum comportamento calmo que ajude seu cão a lidar com a situação. As vezes falar um “oi” baixinho, estabelecer contato visual, dar um breve sorriso, enfim, transmita tranquilidade e segurança para ele.

- Crie uma rotina diversificada, mude as rotinas com frequência pois eles são muito espertos e uma rotina mais diversificada tende a ajudar e afastar ou minimizar os comportamentos relacionados a SAS. Quando você puder antecipar uma mudança na rotina, sempre que possível, insira essa mudança na vida do cão de forma gradual.

- Procure um profissional.  Consultor comportamental e/ou adestrador podem aplicar protocolos já estudados que são ótimos no auxílio ao tutor, mas lembrem-se, não são receitas de bolo que servem para qualquer cão, há detalhes importantes que surgem durante os treinos e que podem não ser percebidos pelo tutor, daí a importância de um profissional.

- Busque atendimento de um veterinário comportamental que poderá validar o diagnóstico e excluir outras possíveis causas para o problema, poderá incluir um auxílio medicamentoso associado aos treinos.

- Atenção especial aos cães que tem fobia de barulho pois estudos apontam que estes indivíduos são mais predispostos a desenvolver SAS.

Seja parceiro do seu cão, ajude-o a entender que saídas e chegadas fazem parte da vida e que você jamais irá abandoná-lo.

Referencias Bibliográficas:

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Imagem de Arek Socha


Olá pessoal, hoje inicio aqui um novo blog "Patatula Comportamento Animal", era um blog antigo e pessoal, que eu alimentava na época em que praticava agility com meus cães, tive dó de apagar os post antigos, pois ficou registrado como um diário aberto do qual tenho muito apreço, então permanecerá abaixo registrado.

A partir de hoje a intenção deste blog é compartilhar experiências e aprendizados relacionados ao comportamento animal, com foco no comportamento canino. Sejam bem-vindos!